Keiko e Margherite

Primeira vez em Tóquio, Margherite entrou na loja de conveniência e perguntou a atendente Keiko:

-Por favor, tem pãozinho de espelta?

Keiko ofereceu um Oniguiri e quis saber o que era espelta.

Até aí nada demais. Parte da cultura de um povo é a comida.

Só que Margherite e Keiko não são consideradas pessoas comuns nas suas respectivas culturas.

Além disso, elas não se encontraram na ficção.

Pelo menos, não nos livros Querida Konbini e A Diferença Invisível.

Embora o primeiro seja um romance passado em Tóquio e o segundo uma HQ inspirada na vida de uma parisiense, as duas histórias falam de pessoas que não cabem nas regras e expectativas sociais.

Primeiro pensei nas semelhanças e diferenças entre Keiko e Margherite e nas culturas que as sufocaram.

Depois, formulei 7 perguntas de mau gosto que caberiam nos universos das duas e também no seu e no meu.

A resenha de Querida Konbini que me despertou o interesse pelo livro foi a do blog Lulunettes.

Sobre A Diferença Invisível recomendo a resenha do Muquifo Literário e a palestra da autora, Julie Dachez, em vídeo do TED X.

Depois das resenhas, como combinado, vamos às perguntas de mau gosto e algumas sugestões de respostas.

1) Japonês é tudo igual?

“… O preconceito é abjeto, é nojento, porque ele assassina a individualidade da pessoa, antes de qualquer discussão. Ele dispensa o que é o indivíduo, sua história, seu esforço, suas crenças, seus sonhos, suas particularidades. Ele elimina qualquer chance desse indivíduo expor o que ele tem só de seu. E o faz com uma só noção:

(Japonês, ou qualquer outro) é tudo igual.”

Texto tirado de “Racismo à moda da casa”, do site Geledes

2) Países civilizados são os que difundem o conhecimento e o progresso?

“… Tomando o homem branco como símbolo máximo e universal da humanidade e da civilização, cientistas europeus dissecaram, mediram, patologizaram e classificaram os corpos considerados desviantes do padrão masculino e eurocêntrico. Esse discurso científico justificou uma série de práticas políticas racistas e sexistas, institucionais ou não, que permanecem até os dias de hoje.”

Texto tirado do site da Funarte sobre o espetáculo “Vênus Negra, um manual de como engolir o mundo”.

3) Autista sente empatia?

“… Da mesma forma do que indivíduos não autistas, autistas podem ter empatia demais, mesmo que outras pessoas não percebam ou que eles não consigam demonstrar. Um autista pode não se sentir confortável em velórios, por exemplo, seja pela dificuldade de chorar e/ou sentir vontade de rir em momentos inesperados. … Antigamente, os médicos e os psicólogos – alguns ainda o fazem … – podiam interpretar alguns desses comportamentos como se fossem transtornos mentais, como a esquizofrenia, sociopatia e outros, aumentando ainda mais o preconceito, exclusão e uso de medicamentos desnecessários.”

Texto tirado do post “Autismo: A importância de escutar e interpretar o autista” do Blog do Ben Oliveira

4) Se não é igual, é menos normal e menos humano?

“Pego rapidamente as manias das pessoas ao meu redor, sobretudo em relação ao jeito de falar. No momento minha fala é uma mistura do jeito de Izumi e de Sagawara.

Acredito que isso aconteça com a maioria das pessoas… Depois que Izumi começou a trabalhar aqui, Sasaki passou a desejar “bom trabalho!” exatamente no mesmo tom que ela. Também teve a vez em que uma amiga de Izumi … veio nos ajudar no serviço, e as roupas das duas eram tão idênticas que pareciam a mesma pessoa. Talvez o meu próprio jeito de falar também tenha contagiado alguém. Acho que é assim, nos contagiando mutuamente, que mantemos nossa humanidade.”

Texto tirado do livro Querida Konbini, página 33

5) Como se pega ranço  de quem mal conhecemos?

“Pouco tempo depois de começar a trabalhar, percebi que todos os colegas se alegram quando você fica bravo pelas mesmas coisas que eles. Se alguém reclama do gerente ou diz que fulano não está trabalhando direito eu faço coro a essa indignação, isso gera um sentimento de solidariedade e deixa todo mundo contente.

Observo o rosto de Izumi e Sugawara e respiro aliviada. Ufa, estou me saindo bem como ser humano.”

Texto tirado do livro Querida Konbini, página 36

6) Asperger tem cura?

“Somos todos geniais, mas se você julgar um peixe por sua capacidade de subir em uma árvore ele passará o resto da vida acreditando que é estúpido.”

Texto e ilustração tirados de um dos quadrinhos da página 134 do livro A Diferença Invisível.

7) O normal é brincar, estudar, ter amigos, socializar, namorar, trabalhar, casar e ter filhos?

“Margherite tem 30 anos.

Ela ama animais, dias ensolarados, chocolate, comida vegetariana, seu cãozinho e o ronronar dos seus gatos.”

Texto e ilustração tirados da página 178 do livro A Diferença Invisível.

Boa semana!

 

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